Capitães da Areia

(...)
Como o vestido dificultava seus movimentos e como ela queria ser totalmente um dos Capitães da Areia, o trocou por umas calças que deram a Barandão numa casa da cidade alta. As calças tinham ficado enormes para o negrinho, êle então as ofereceu a Dora. Assim mesmo, estavam grandes para ela, teve que as cortar nas pernas para que dessem. Amarrou com cordão, seguindo o exemplo de todos, o vestido servia de blusa. Se não fôsse a cabeleira loira e os seios nascentes, todos a poderiam tomar por um menino, um dos Capitães da Areia.

No dia em que, vestida como um garôto, ela apareceu na frente de Pedro Bala, o menino começou a rir. Chegou a se enrolar no chão de tanto rir. Por fim conseguiu dizer:

- Tu tá gozada...

Ela ficou triste, Pedro Bala parou de rir.
Não tá direito que vocês me dê de comer todo dia. Agora eu tomo parte no que vocês fizer.

O assombro dêle não teve limites:

- Tu quer dizer...

Ela o olhava calma, esperando que êle concluisse a frase.
- ...que vai andar com a gente pela rua, batendo coisas...

- Isso mesmo. - Sua voz estava cheia de resolução.

- Tu endoidou...

- Não sei por quê.

- Tu não tá vendo que tu não pode? Que isso não é coisa pra menina. Isso é coisa pra homem.

- Como se vocêes fôsse tudo um homão. E tudo um menino.

Pedro Bala procurou o que responder:

- Mas a gente veste calça, não é saia...

- Eu também. - E mostrava as calças.

De momento êle não encontrou nada que dizer. Olhou para ele pensativo, já não tinha vontade de rir. Depois de algum tempo, falou:

- Se a polícia pegar a gente, não tem nada. Mas se pegar tu?

- E igual.

- Te metem no Orfanato. Tu nem sabe o que é...

- Tem nada não. Eu agora vou com vocês.

Ele encolheu os ombros num gesto de quem não tinha nada com aquilo. Havia avisado. Mas ela bem sabia que êle estava preocupado. Por isso ainda disse:

- Tu vai ver que eu sou igual a qualquer um...

- Tu já viu uma mulher fazer o que um homem faz? Tu não aguenta um empurrão...

- Posso fazer outras coisas.

Pedro Bala se conformou. No fundo gostava da atitude dela, se bem tivesse mêdo dos resultados.”
Jorge Amado

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