Ordem e Progresso

“Ano Novo jantou juntados redatores e convivas pela administração jornalal de largas vistas e construiu a meu lado um paralelepípedo de carne com óculos sem pé que era o dr. Mandarim Pedroso. Machado Penumbra diretivo nos enfrentava casaca de papo branco e flor.
- É um grego de tendências emotivais! apontou-o com o guardanapo o toutiço vizinhante à chegada do trem da sobremesa. Vai longe! Vou fazê-lo Vice-Presidente do Recreio Pingue-Pongue.

Explicou-me o que era às claras essa chiquíssima sociedade de moças que a sua personalidade centrava como um coreto.

- Uma forja de temperamentos e um ninho de pombas gárrulas. O Sr. precisa entrar para lá, principalmente depois que o seu nome de poeta e jornalista começa a raiar nos galarins da fama. Quer saber, digo-lhe confidencialmente, o Presidente da República saiu de nossas fileiras, o Prefeito de São Paulo também, o Vice-Prefeito idem idem. Já fornecemos à alta administração doze estrelas de primeira grandeza. Santos Dumont é dos nossos.

E súbito, reservado como as senhoras que a gente encontra na sala secreta do museu de Nápoles:
O Sr. possui filhas?

- Sim. Tenho uma de seis anos.
- Ponha-a lá, ponha-a lá, se quiser salvá-la dos perigos contemporâneos. Ah! Lá não se dança o paso doble, meu caro senhor! O paso doble! Devia chamar-se a cópula de salão! Olhe, nós vivemos numa civilização de dancings...
Facas bateram copos semafóricos. Face a nós, Machado Penumbra elevara-se, neto de Lord Byron na Itália.
- É um discurso para amigos, meus senhores! E como esta florida mesa reúne somente rapazes, eu beberei a cupido! A cada presente a esta reunião de saúde e fraternidade, eu junto uma ausente cara, numa argonave de esperanças eternas.
Porque nós, meus colegas, meus amigos, neste vale de emoções, de apogeus e de quedas de Ícaro, vivemos apenas o romance da eterna pesquisa, da eterna procura, da eterna recherche, da eterna mágoa da miragem! mas não fiquemos apenas na visão desse desejo do impossível que a todos nos inquieta e comove. Prossigamos na realização do Inachado, do Irrealizável, do Incrível, alcancemos a promessa lantejoulante do Nada! À mulher, ergo a minha taça de vencido!”
Oswald de Andrade

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