Sobre um segredo inviolável

"Até então o segredo inviolável. O mundo em branco à sua frente: a folha com seus espaços. Entre o homem que escreve e a instigação dos cães, pousa e repousa um universo de convenções ainda não decifrado. O detalhe que se foi, a página que se recusou à escrita. A mansidão do tempo desenovelando-se e tornando-se matéria viva e estável. Diante desse mundo estático, o homem movimenta-se asperamente por caminhos que nenhum outro se aventurou. Nem ele próprio é capaz de gritar antes do pano descer por completo. O que se faz então é somente um ato de domador.

A fera de cada sílaba numa jaula que não mais lhe pertence. Deflagrada, a fera acua-se, lança-se e fica a contemplar ironicamente os seus visitantes. Nenhum deles leva o seu segredo. Por ela, poderá simplesmente descobrir os seus segredos de homem. Ela, a fera, não sai de si mesma. O que transpira é muito pouco para denunciá-la ao seu dono. Embora lamentando a sua ferocidade, ela é dócil e deixa-se devorar por quem lançar-se dentro de seu gradil armado em pleno parque.”
Antonio Carlos Viana, “Brincar de Manja

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