Melhora de Vida

Angel Cabeza

“– E então, como foi a entrevista?
– Nada boa. Mas consegui algo melhor.
– Nada melhor que trabalho. A vida anda difícil.
– Sim, mas isso me deixará rico. Olha...
– Um anúncio de vidente? Vai ler a sorte agora?
– Não! Eu fui consultar a madame Águia Branca hoje. Minha sorte vai mudar.
– Meu Deus! Já mudou, e para pior. Águia Branca? Cadê o dinheiro que te emprestei?
– Tive que pagar a madame e...
– Parece que a minha sorte também mudou. E agora, o que tu vai fazer?
– Não terminei ainda. Olha só a lista.
– Que lista?
– Para o despacho de meia-noite, na sexta-feira.
– Que? Trocou emprego por despacho?
– A madame disse que se eu arriar a obrigação numa encruzilhada ficarei rico. E para que trabalhar depois da riqueza?
– E você acreditou?
– Fazer o que? Preciso de uma ajuda, mesmo que seja espiritual. E então, vamos?
– Para onde?
– Para o despacho. Preciso de uma mão e patrocínio.
– Eu é que vou patrocinar o seu despacho? E, só para lembrar, quem vai ficar rico é você e não eu.
– Eu divido o que o santo der meio a meio. Vai?
– Fazer o que? E então, já tem o que comprar?
– É essa lista aí na tua mão.
– Fubá, feijão, arroz, azeite, óleo, farinha, frango e alface. Para que o santo precisa de tanta coisa? Ele ta com fome?
– Sei lá! A madame que passou. Tenho que oferecer para o santo e, em troca, ele me deixará rico.
– Como?
– Sei lá! Ele é o santo e tem seus meios. Se eu soubesse, virava santo.
– E esse saco aí?
– São as coisas.
– Você já comprou tudo? Mas e o dinheiro...
– Eu pendurei na conta. Depois pago. Meia noite?
– Fazer o que?
.......

– E então, trouxe tudo?
– Tudo. Espero que o santo goste. Vou começar que já está tarde.
– O que é isso?
– A obrigação do santo.
– Mas não tem frango aí. Isso é só osso com pele por cima?
– Você queria o que? Estava com fome e não posso fazer o despacho de estômago vazio.
– A madame disse isso?
– Não, mas...
– Ei! E o que é isso?
– Farinha.
– Mas e a farofa?
– Não tinha dinheiro para a manteiga. Mas farinha é farofa sem gosto. E santo não sente gosto. Deixe-me acender as velas.
– Cotoco de velas já é demais! Pegou na igreja?
– As velas aumentaram muito.
– E você acha que vai ficar rico?
– Claro! A madame não erra.
– E ela sabe que você comeu o frango, não fez farofa e roubou a vela da igreja?
– Não, mas...
– E porque a garrafa está vazia?
– Você queria que eu comesse a seco?
– Meu Deus! O santo não vai gostar.
– Que nada. Santo não bebe, por isso virou santo. É só simbolismo. Agora vamos embora e deixar o santo com seu banquete.
– Você não tem vergonha? Onde já se viu comer o frango...
– Ih! Esqueci do mais importante.
– O que?
– Do caldo knorr.
– Caldo de frango? Era só o que faltava. Não tem frango vai caldo?
– Nem caldo. Não tenho água. Está tudo pela hora da morte. É só esfarelar para dar um gostinho por cima. E o santo não vai nem perceber.

...Um mês depois...

– E então, rico?
– Que nada. Empresta algum?
– Que? E aquele último do mês passado? E o santo?
– Tive que voltar na madame.
– De novo?
– Acho que aquele caldo knorr não era 100% de frango, por isso não deu certo. Mas o próximo, ah, vai. Sexta-feira à noite, combinado?
– Que? Eu tenho cara de igreja?
– Ah, vai, empresta algum para o santo? Afinal, você também vai ficar rico.
– Eu o que?
Meio a meio. E a madame disse que se você ajudar...”
Do Blog: Angel Cabeza

Nenhum comentário: