Vivemos com vaidade, e com vaidade morremos; arrancando os últimos suspiros, estamos dispondo a nossa pompa fúnebre, como se em hora tão fatal o morrer não bastasse para ocupação; nessa hora, em que estamos para deixar o mundo, ou em que o mundo está para nos deixar, entramos a compor, e a ordenar o nosso acompanhamento, e assistência funeral; e com vanglória anticipada nos pomos a antever aquela cerimónia, a que chamam as Nações últimas honras, devendo antes chamá-las vaidades últimas. Queremos, que em cada um de nós se entregue à terra com solenidade, e fausto, outra infeliz porção de terra: tributo inexorável! A vaidade no meio da agonia nos faz saborear a ostentação de um luxo, que nos é posterior, e nos faz sensíveis as atenções, que hão-de dirigir-se à nossa insensibilidade. Transportamos para o tempo da vida aquela vaidade, de que não podemos ser capazes depois da morte: nisto é piedosa connosco a vaidade; porque em instantes cheios de dor, e de amargura, não nos desampara; antes nas disposições de uma pompa fúnebre, dá ao nosso cuidado uma aplicação, ainda que triste, e faz com que divertido, e empregado o nosso pensamento chegue a contemplar vistosa a nossa mesma morte, e luzida a nossa mesma sombra.
Matias Aires, Filósofo, 1705-1764, in 'Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens e Carta Sobre a Fortuna'
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