Quando a fortuna envia a alguém bens de que
ele é verdadeiramente indigno, e a inveja só é excitada em nós porque amando
naturalmente a justiça ficamos contrariados que ela não seja observada na
distribuição desses bens, trata-se de um zelo que pode ser desculpável;
principalmente quando o bem que invejamos de outros é de tal natureza que pode
converter-se em mal nas mãos deles, como se for algum cargo ou ofício em cujo
exercício eles possam comportar-se mal.
Mesmo quando desejamos para nós o mesmo bem e somos impedidos de tê-lo, porque ouros que são menos merecedores o possuem, isto torna mais violenta tal paixão; e ela não deixa de ser desculpável, contanto que o ódio que contém se relacione somente com a má distribuição do bem que se inveja, e não com as pessoas que o possuem e distribuem.
Mas há poucos que sejam tão justos, e tão
generosos a ponto de não ter ódio por aqueles que os precederam na obtenção de
um bem que não é comunicável a várias pessoas e que eles haviam desejado para
si mesmos, embora os que os obtiveram sejam tanto ou mais merecedores. E o que
habitualmente é mais invejado é a glória, pois embora a dos outros não impeça
que possamos almejá-la, no entanto às vezes torna o seu acesso mais difícil e
encarece-lhe o valor.
René Descartes, in 'As Paixões da Alma'
René Descartes, in 'As Paixões da Alma'
Nenhum comentário:
Postar um comentário