Os Descrentes


Nunca encontrei um descrente, apenas desvairados inquietos... é assim que é melhor tratá-los. São pessoas diferentes, não se percebe bem o que são: tanto os grandes como os pequenos, os ignorantes como os cultos, mesmo a gente da classe mais simples, tudo neles é desvario. Porque passam a vida a ler e a interpretar e depois, fartos da doçura livresca, continuam perplexos e não conseguem resolver nada. 

Há quem se disperse, de maneira que não consegue atentar em si mesmo. Há quem seja rijo como pedra, mas no seu coração vagueiam sonhos. Há também o insensível e fútil que só quer gozar e ironizar. Há quem só tire dos livros florinhas, e mesmo elas consoante a sua opinião, e há nele desvario e falta de perspicácia. E digo mais: há muito tédio.

O homem pequeno é necessitado, não tem pão, não tem com que sustentar os filhos, dorme na palha áspera, mas tem o coração leve e alegre; é pecador e malcriado, mas mantém na mesma o coração alegre. E o homem grande farta-se de comer e beber, senta-se num montão de ouro, mas tem sempre a mágoa no coração. Há quem domine as ciências mas não se livre do tédio. Penso eu, então, que quanto maior a inteligência, maior é o tédio. Além disso, vede: andam a ensinar a gente desde o princípio dos tempos, mas o que lhe ensinaram para que o mundo fosse a mais bela e alegre habitação, recheada de todas as felicidades? E digo também: não têm decoro, nem sequer o desejam; pereceram todos, e todos louvam o seu perecimento, sem pensarem em virar-se para a única verdade (ora, viver sem Deus é um castigo, mais nada). Resultado: amaldiçoamos o que nos ilumina e não o sabemos. Que sentido tem viver assim?

O homem que não venera não vive, um homem assim não suportará a si mesmo, nenhum homem. Se rejeitar Deus, venerará o ídolo... de madeira, de ouro, de pensamento. Estes são idólatras, não são descrentes: é assim que devem ser chamados. Mas, então, não existem descrentes? Sim, há quem seja na verdade descrente, e são esses os mais assustadores, porque trazem sempre o nome de Deus na boca. Ouvi falar dessa gente por mais de uma vez, mas nunca a encontrei. Existe, meu amigo, e acho que deve existir.
Fiodor Dostoievski, in 'O Adolescente (discurso do personagem Makar Ivánovitch)'

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