A ciência e a arte progridem sempre num
primeiro período imediato a uma guerra. A guerra renova-as, rejuvenesce-as,
fomenta, fortalece, as ideias e imprime-lhes certo impulso. Numa larga paz,
pelo contrário, sucumbe também a ciência. Indiscutivelmente o culto da ciência
requer valor e até espírito de sacrifício. Mas quantos sábios resistem à praga
da paz? A falsa honra, o egoísmo e a ânsia de prazeres superficiais, bestiais,
fazem também mossa no seu espírito. Procure o senhor acabar com uma paixão como
a inveja, por exemplo; é ordinário e vulgar, mas com tudo isso penetra até nas
nobílissimas almas dos sábios. Também o sábio acaba por querer ter a sua parte
no brilho e esplendores gerais. Que significa, ante o triunfo da riqueza, o
triunfo de uma descoberta científica, a menos que seja tão estrondosa como a
descoberta de um novo planeta? Parece-lhe que em tais circunstâncias haverá
ainda muitos escravos do trabalho para o bem geral?
Longe disso, procura-se a glória e cai-se
no charlatanismo, na procura do efeito, e antes de mais nada no utilitarismo...
visto que também se quer, ao mesmo tempo, ser rico. Na arte acontece o mesmo
que na ciência: idêntica ânsia do efeito, obtido por um refinamento qualquer.
As ideias simples e claras, generosas e sãs acabam por resultar antiquadas;
precisa-se de qualquer coisa mais proibitivo, menos são; necessita-se do
artifício das paixões. Pouco a pouco vão-se perdendo a medida e a harmonia,
caindo-se, em compensação, no falseamento dos sentimentos e paixões, na chamada
«diferenciação» dos sentimentos, que, na realidade, mais não é que uma
adulteração. Veja até que ponto a arte degenera com uma longa paz. Se não houvesse
guerra no mundo já teria muito simplesmente sucumbido. Todas as ideias boas da arte,
as suas melhores ideias, resultam da guerra, da luta.
Fiodor Dostoievski, in 'O Adolescente'
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