O homem comum entende como sendo a sua
religião um sistema de doutrinas e promessas que, por um lado lhe explica os
enigmas deste mundo com uma perfeição invejável, e que por outro lhe garante
que uma Providência atenta cuidará da sua existência e o compensará, numa
futura existência, por qualquer falha nesta vida. O homem comum só consegue
imaginar essa Providência sob a figura de um pai extremamente elevado, pois só
alguém assim conseguiria compreender as necessidades dos filhos dos homens ou
enternecer-se com as suas orações e aplacar-se com os sinais dos seus remorsos.
Tudo isto é tão manifestamente infantil, tão incongruente com a realidade, que
para aquele que manifeste uma atitude amistosa para com a humanidade é penoso
pensar que a grande maioria dos mortais nunca será capaz de estar acima desta
visão de vida.
É ainda mais humilhante descobrir como é
grande o número de pessoas, hoje em dia, que não podem deixar de perceber que
essa religião é insustentável, e, no entanto, tentam defendê-la sucessivamente,
numa série de lamentáveis actos retrógados. Gostaríamos de pertencer ao número
dos crentes, para podermos advertir os filósofos que tentam preservar o Deus da
religião substituindo-o por um princípio impessoal, obscuro e abstracto, e
dizemos: «Não usarás o nome de Deus em vão!». Alguns dos grandes homens do
passado fizeram o mesmo, mas isso não serve de justificação para nós; sabemos
porque é que tiveram que o fazer.
Sigmund Freud, in 'A Civilização e os Seus Descontentamentos'
Sigmund Freud, in 'A Civilização e os Seus Descontentamentos'
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