Senta-te diante da folha de papel e
escreve. Escrever o quê? Não perguntes. Os crentes têm as suas horas de orar,
mesmo não estando inclinados para isso. Concentram-se, fazem um esforço de
contensão beata e lá conseguem. Esperam a graça e às vezes ela vem. Escrever é
orar sem um deus para a oração.
Porque o poder da divindade não passa apenas
pela crença e é aí apenas uma modalidade de a fazer existir. Ela existe para os
que não crêem, como expressão do sagrado sem divindade que a preencha. Como é
que outros escrevem em agnosticismo da sensibilidade? Decerto eles o fazem sendo
crentes como os crentes pelo acto extremo de o manifestarem. Eles captarão
assim o poder da transfiguração e do incognoscível na execução fria do acto em
que isso deveria ser. Escreve e não perguntes. Escreve para te doeres disso, de
não saberes. E já houve resposta bastante.
Vergílio Ferreira, in "Pensar"
Vergílio Ferreira, in "Pensar"
Nenhum comentário:
Postar um comentário