Eu considero inteligente o homem que em vez
de desprezar este ou aquele semelhante é capaz de o examinar com olhar
penetrante, de lhe sondar por assim dizer a alma e descobrir o que se encontra
em todos os seus desvãos. Tudo no homem se transforma com grande rapidez; num
abrir e fechar de olhos, um terrível verme pode corroer-lhe as entranhas e
devorar-lhe toda a sua substância vital. Muitas vezes uma paixão, grande ou
mesquinha pouco importa, nasce e cresce num indivíduo para melhor sorte,
obrigando-o a esquecer os mais sagrados deveres, a procurar em ínfimas
bagatelas a grandeza e a santidade. As paixões humanas não têm conta, são
tantas, tantas, como as areias do mar, e todas, as mais vis como as mais
nobres, começam por ser escravas do homem para depois o tiranizarem.
Bem-aventurado aquele que, entre todas as
paixões, escolhe a mais nobre: a sua felicidade aumenta de hora a hora, de
minuto a minuto, e cada vez penetra mais no ilimitado paraíso da sua alma. Mas
existem paixões cuja escolha não depende do homem: nascem com ele e não há
força bastante para as repelir. Uma vontade superior as dirige, têm em si um
poder de sedução que dura toda a vida. Desempenham neste mundo um importante
papel: quer tragam consigo as trevas, quer as envolva uma auréola luminosa, são
destinadas, umas e outras, a contribuir misteriosamente para o bem do homem.
Nicolau Gogol, in 'Almas Mortas'
Nicolau Gogol, in 'Almas Mortas'
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