A serenidade não é feita nem de troça nem de narcisismo, é conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade, atenção desperta junto à borda dos grandes fundos e de todos os abismos; é uma virtude dos santos e dos cavaleiros, é indestrutível e cresce com a idade e a aproximação da morte. É o segredo da beleza e a verdadeira substância de toda a arte.
O poeta que celebra, na dança dos seus versos, as magnificências e os terrores
da vida, o músico que lhes dá os tons de duma pura presença, trazem-nos a luz;
aumentam a alegria e a clareza sobre a Terra, mesmo se primeiro nos fazem
passar por lágrimas e emoções dolorosas. Talvez o poeta cujos versos nos
encantam tenha sido um triste solitário, e o músico um sonhador melancólico:
isso não impede que as suas obras participem da serenidade dos deuses e das
estrelas. O que eles nos dão, não são mais as suas trevas, a sua dor ou o seu
medo, é uma gota de luz pura, de eterna serenidade. Mesmo quando povos
inteiros, línguas inteiras, procuram explorar as profundezas cósmicas em mitos,
cosmogonias, religiões, o último e supremo termo que poderão atingir é essa serenidade.
Hermann Hesse, in 'O Jogo das Contas de
Vidro'
Nenhum comentário:
Postar um comentário