O direito é a justiça e a verdade. O
característico do direito é conservar-se perpetuamente puro e belo. O facto,
ainda o mais necessário, segundo as aparências, ainda o melhor aceite pelos
contemporâneos, se só existe como facto, contendo pouco ou nada de direito, é
infalivelmente destinado a tornar-se, com o andar dos tempos, disforme, imundo,
talvez até monstruoso. Se alguém quiser verificar de um só jacto a que ponto de
fealdade pode chegar o facto, visto à distância dos séculos, olhe para
Maquiavel. Maquiavel não é um mau génio, nem um demónio, nem um escritor
cobarde e miserável; é o facto puro. E não é só o facto italiano, é o facto
europeu, é o facto do século XVI. Parece hediondo, e é-o, em presença da ideia
moral do século XIX.
Esta luta do direito e do facto dura desde a origem das sociedades. Terminar o
duelo, amalgamar a ideia pura com a realidade humana, fazer penetrar
pacificamente o direito no facto e o facto no direito, eis o trabalho dos
sábios.
Victor Hugo, in 'Os Miseráveis'
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