Dormi, acordei, dormi, acordei, vida
miserável. (...) Quando penso nisso, tenho de dizer que a minha educação me
prejudicou muito em vários aspectos. Não fui, de facto, educado num lugar longe
de tudo, como por exemplo entre ruínas, nas montanhas; contra esse facto eu não
poderia realmente exprimir a minha censura. Apesar de correr o risco de não
poder ser compreendido por todos os meus antigos professores, eu bem preferiria
ter sido um habitante dessas pequenas ruínas, queimado pelo sol que por entre
os destroços me apareceria de todos os lados sobre a tépida hera, mesmo que eu
a princípio houvesse sido fraco sob a pressão das minhas boas qualidades, que com
a força da erva teriam crescido dentro de mim.
Quando penso nisso, tenho de dizer que a minha educação me prejudicou muito em
vários aspectos. Esta censura aplica-se a uma quantidade de pessoas, ou seja,
aos meus pais, a algumas pessoas de família, a alguns amigos da casa, a vários
escritores, a uma certa cozinheira, que durante todo um ano me levou à escola,
a um monte de professores (que nas minhas recordações tenho de comprimir num
grupo estreito, que doutra maneira me falha um aqui e outro ali — mas, com os
comprimir de tal modo fortemente, toda a massa se esboroa e desfaz a pouco e
pouco), a um inspector escolar, a transeuntes vagarosos; em resumo, esta
censura roda como um punhal pela sociedade e ninguém, repito, infelizmente
ninguém tem a certeza de ver aparecer a ponta do punhal de repente na frente,
atrás ou de lado. Não quero ouvir contradizer esta censura, porque já ouvi
contradizer em demasia, e como me têm refutado na maior parte das réplicas,
incluo estas na minha censura e declaro agora que a minha educação e esta
réplica me prejudicaram muito em vários aspectos.
Franz Kafka, in 'Diário (1910)'
2 comentários:
Mentiram para vc. Não foi a educação que te prejudicou... vc. não recebeu educação nenhuma!
Todo esse contexto, nada mais é que o resultado da cultura em que estamos imersos.
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