O rapaz que aos vinte anos se inscreve no
partido comunista ou que, de espingarda na mão, se junta à guerrilha das
montanhas, está fascinado pela sua própria imagem de revolucionário: é ela que
o distingue de todos os outros, é ela que o faz transformar-se em si próprio.
Na origem da sua luta encontra-se um amor exacerbado e insatisfeito pelo seu
eu, ao qual ele deseja dar contornos bem nítidos, antes de o enviar (realizando
o gesto do desejo de imortalidade, tal como o descrevi) para o grande palco da
História sobre o qual convergem milhares de olhares: e nós sabemos já, pelo
exemplo de Mychkine e de Nastassia Philippovna, que sob os olhares
intensantemente assestados nela a alma não pára de crescer, de inchar, de
ganhar volume, para finalmente levantar voo em direcção ao firmamento como um
aeróstato magnificamente iluminado.
O que incita as pessoas a erguerem o punho, a pegarem numa espingarda, a
defenderem juntas causas justas ou injustas, não é a razão, mas a alma
hipertrofiada. É este o carburante sem o qual o motor da História não poderia
funcionar e à falta do qual a Europa teria ficado deitada na relva, a olhar
preguiçosamente as nuvens que pairam no céu.
Milan Kundera, in "A Imortalidade"
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