Que pessoas teriam começado a amar-se, se
se vissem como se vêem passados uns anos? E que pessoas se poderiam separar se
voltassem a ver-se como se viram a primeira vez? O orgulho, que é quase sempre
senhor dos nossos gostos, e que nunca está saciado, sentir-se-ia infinitamente
lisonjeado por um novo prazer; a constância perderia o seu mérito: deixaria de
fazer parte de uma ligação tão agradável, os favores actuais teriam o sabor dos
primeiros favores e as recordações não fariam a menor diferença; a inconstância
seria desconhecida e as pessoas amar-se-iam sempre com o mesmo prazer, porque
teriam sempre os mesmos motivos para se amarem. As transformações da amizade
têm mais ou menos as mesmas causas que as transformações do amor: as suas
regras são muito semelhantes. Se um tem mais alegria e prazer, a outra deve ser
mais serena e mais severa porque nada perdoa; mas o tempo, que muda o humor e
os interesses, destrói-os quase do mesmo modo. Os homens são demasiado fracos e
demasiado mutáveis para suportar muito tempo o peso da amizade. A Antiguidade
deu-nos os exemplos; mas no tempo em que vivemos, pode afirmar-se que é ainda
menos impossível encontrar um amor verdadeiro do que uma verdadeira amizade.
La Rochefoucauld, in 'Reflexões'
La Rochefoucauld, in 'Reflexões'
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