De todas as paixões a que nos é mais
incógnita é a preguiça. É a mais ardente e a mais maligna de todas, ainda que a
sua violência seja imperceptível e que os seus danos se escondam. Se
observarmos com atenção o seu poder, notaremos que ela se torna sempre mestra
dos nossos sentimentos, dos nossos interesses e dos nossos desejos. Ela é a
demora que tem a força para fazer parar os maiores navios, é uma calmaria mais
perigosa para as grandes empresas do eu do que os bancos de areia e do que as
maiores tempestades. O repouso dado pela preguiça é uma sedução secreta da
alma, que pára de repente as lutas mais inflamadas e as resoluções mais obstinadas.
Enfim, para se dar uma verdadeira ideia desta paixão, é preciso dizer que a
preguiça é como que um estado de beatitude da alma, consolando-a das suas
perdas e ocupando o lugar de todos os bens.
La Rochefoucauld,
in 'Reflexões'
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