O homem deseja um mundo em que o bem e o
mal sejam nitidamente discerníveis, porque nele há o desejo, inato e indomável,
de julgar antes de compreender. Sobre esse desejo são fundadas as religiões e
as ideologias. Estas não se podem conciliar com o romance a não ser que
traduzam a linguagem de relatividade e de ambiguidade dele para o seu discurso
apodítico e dogmático. Exigem que alguém tenha razão: ou Anna Karenina é vítima
de um déspota limitado, ou Karenine é vítima de uma mulher imoral; ou então K.,
inocente, é esmagado por um tribunal injusto, ou então, por trás do tribunal,
está escondida a justiça divina e K. é culpado.
Neste «ou então-ou então» está contida a incapacidade de suportar a
relatividade essencial das coisas humanas, a incapacidade de olhar de frente a
ausência do Juiz supremo. Por causa desta incapacidade, a sabedoria do romance
(a sabedoria da incerteza) é difícil de aceitar e de compreender.
Milan Kundera, in "A Arte do Romance"
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