No entanto, esta felicidade raramente dura
muito e fatiga-se da graça da novidade. Para possuirmos o que desejámos não
paramos de desejar mais e mais. Habituamo-nos ao que temos, mas os mesmos
haveres não conservam o seu preço, como nem sempre nos tocam do mesmo modo.
Mudamos imperceptivelmente sem disso nos apercebermos. O que já adquirimos
torna-se parte de nós mesmos e sofreríamos muito com a sua perda, mas já não
somos sensíveis ao prazer de conservar o adquirido. A alegria já não é viva, procuramos
noutro lado que não naquele que tanto desejámos. Esta inconstância involuntária
acontece com o tempo que, sem querermos, não perdoa: mexe no nosso amor e na
nossa vida. Apaga sub-repticiamente dia-a-dia algo da nossa juventude e da
nossa alegria, destruindo os nossos maiores encantos. Tornamo-nos mais
circunspectos e juntamos negócios às paixões. O amor já não subsiste por si
mesmo, indo alimentar-se de ajudas exteriores. Este estádio do amor corresponde
àquela idade em que começamos a ver por onde devemos acabar com ele, mas não
temos a força para acabar directamente. No declínio, no amor como no da vida,
ninguém quer resolver-se a evitar a maneira de prevenir os desgostos que ainda
estão por vir; ainda se vive para aceitar os males futuros, mas não para os
rpazeres.
Os ciúmes, a desconfiança, o medo de nos tornarmos maçadores e o medo
que nos abandonem são males ligados à velhice do amor, tal como as doenças se
agarram à demasiado longa duração da vida. Nesta idade, sentimo-nos viver,
porque sentimos que estamos doentes, como só sabemos que estamos apaixonados
quando sentimos as penas do amor. Só se sai do adormecimento das relações
demasiado longas pelo enfado e pelo desgosto de ainda nos vermos agarrados.
Enfim, de todas as decrepitudes, a do amor é a mais insuportável.
La Rochefoucauld, in 'Reflexões'
La Rochefoucauld, in 'Reflexões'
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