Os Elementos do Carácter

O carácter é constituído por um agregado de elementos afectivos aos quais se sobrepõem, mesclando-se muito pouco a eles, alguns elementos intelectuais. São sempre os primeiros que dão ao indivíduo a sua verdadeira personalidade. Sendo numerosos os elementos afectivos, a sua associação formará variados elementos: activos, contemplativos apáticos, sensitivos, etc. Cada um deles actuará diferentemente sob a acção dos mesmos excitantes. 

Os agregados constitutivos do carácter podem ser fortemente ou, ao contrário, fracamente cimentados. Aos agregados sólidos correspondem as individualidades fortes, que se mantêm não obstante as variações de meio e de circunstâncias. Aos agregados mal cimentados correspondem as mentalidades moles, incertas e mutáveis. Elas modificar-se-iam a cada instante sob as influências mais insignificantes se certas necessidades da vida quotidiana não as orientassem, como as margens de um rio canalizam o seu curso. 

Por mais estável que seja o carácter, permanece sempre ligado, no entanto, ao estado dos nossos órgãos. Uma nevralgia, um reumatismo, uma perturbação intestinal, transformam o júbilo em melancolia, a bondade em maldade, a vontade em indolência. Napoleão, doente em Warteloo, já não era Napoleão. César, dispéptico, não teria, sem dúvida, transposto o Rubicon.


As causas morais actuam também no carácter ou, pelo menos, na sua orientação. Depois de uma conversão, o amor profano tornará-se-á amor divino. O clerical fanático e perseguidor acabará, por vezes, como livre-pensador, igualmente fanático e não menos perseguidor.
Sendo as opiniões e as crenças moldadas no nosso carácter, seguem naturalmente as suas variações. 

Não existe nenhum paralelismo entre o desenvolvimento do carácter e o da inteligência. O primeiro parece, ao contrário, tender a enfraquecer-se, à medida que a última se desenvolve. Grandes civilizações foram destruídas por elementos intelectualmente inferiores, dotados de uma forte vontade. 

Os espíritos ousados e decididos ignoram os obstáculos assinalados pela inteligência. A razão não funda as grandes religiões e os possantes impérios. Nas sociedades brilhantes pela inteligência, mas de carácter fraco, o poder acaba muitas vezes por cair nas mãos de homens inferiores e audaciosos. Admito facilmente, com Faguet, que a Europa, ao tornar-se pacifista, será conquistada “pelo último povo que permaneceu militar e ficou relativamente feudal”. Esse povo reduzirá os outros à escravidão e fará trabalhar em seu proveito pacifistas muito inteligentes, mas destituídos da energia que a vontade proporciona.
Gustave Le Bon, in "As Opiniões e as Crenças"

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