Como? Mas como é que eu escrevi nove livros
e em nenhum deles eu vos disse: Eu vos amo? Eu amo quem tem paciência de
esperar por mim e pela minha voz que sai através da palavra escrita. Sinto-me de
repente tão responsável. Porque se sempre eu soube usar a palavra — embora às
vezes gaguejando — então sou uma criminosa se não disser, mesmo de um modo sem
jeito, o que quereis ouvir de mim. O que será que querem ouvir de mim? Tenho o
instrumento na mão e não sei tocá-lo, eis a questão. Que nunca será resolvida.
Por falta de coragem? Devo por contenção ao meu amor, devo fingir que não sinto
o que sinto: amor pelos outros?
Para salvar esta madrugada de lua cheia eu vos digo: eu vos amo.
Não dou pão a ninguém, só sei dar umas palavras. E dói ser tão pobre. Estava no
meio da noite sentada na sala de minha casa, fui ao terraço e vi a lua cheia —
sou muito mais lunar que solar. É uma solidão tão maior que o ser humano pode
suportar, esta solidão me toma se eu não escrever: eu vos amo. Como explicar
que me sinto mãe do mundo? Mas dizer «eu vos amo» é quase mais do que posso
suportar! Dói. Dói muito ter um amor impotente. Continuo porém a esperar.
Clarice Lispector, in Crónicas no 'Jornal do Brasil (1968)'
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