E depois foi quando
o amor pelo mundo me tomou: e isso já não era a fome pequena, era a fome
ampliada. Era a grande alegria de viver — e eu pensava que esta sim, é livre.
Mas como foi que transformei sem nem sentir a alegria de viver na grande
luxúria de estar vivo? No entanto no começo era apenas bom e não era pecado.
Era um amor pelo mundo quando o céu e a terra são de madrugada, e os olhos
ainda sabem ser tenros. Mas eis que minha natureza de repente me assassinava, e
já não era uma doçura de amor pelo mundo: era uma avidez de luxúria pelo mundo.
E o mundo de novo se retraiu e a isso chamei de traição. A luxúria de estar
vivo me espantava na minha insónia sem eu entender que a noite do mundo e a
noite do viver são tão doces que até se dorme.
Clarice Lispector, in Crónicas no 'Jornal do Brasil (1971)'
Clarice Lispector, in Crónicas no 'Jornal do Brasil (1971)'
Nenhum comentário:
Postar um comentário