Mas quantas vezes a insónia é um dom. De
repente acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum
ruído. Só o das ondas do mar batendo na praia. E tomo café com gosto, toda
sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e
rico. E o telefone mudo, sem aquele toque súbito que sobressalta. Depois vai
amanhecendo. As nuvens se clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às
vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira do dia a ver a
espuma branca do mar.
O mar é meu, o sol é meu, a terra é minha.
E sinto-me feliz por nada, por tudo. Até que, como o sol subindo, a casa vai
acordando e há o reencontro com meus filhos sonolentos.
Clarice Lispector, in Crónicas no 'Jornal do Brasil (1968)'
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