A árvore dos sexos

"— Sabes fazer as coisas como devem ser feitas? perguntou a professora, ainda tímida e ruborizada, mas já mais afoita.

Fechara a porta devagar. O rapaz, um brutamontes na aparência, só tinha por si a força revigoradora da natureza. A cara de alarve abonava pouco, com aquelas sobrancelhas bovinas e os orifícios do nariz abertos e dilatados, como se farejasse a distância. Mas era robusto e jovem, e a professora, que até aí se mantivera intacta, dir-se-ia perturbada ao último extremo só ao adivinhar a biloba. Como se as raízes lhe envolvessem o corpo, lhe cocegassem as partes mais íntimas.

— Já estou habituado — orgulhou-se o rapaz. "Sempre será menos burro do que foi a aprender a ler", pensou ela. Com vinte e sete anos, encontrou-se na fase crítica de quem não agüenta mais. E daí talvez agüentasse, não fosse aquele grande desejo que sentira ao apanhar o fruto e ao manuseá-lo. Toda a potencialidade efervescente de vida e prazer havia-se então solto do pequenino sexo. Aquecera-lhe as mãos, e sentira um calor estranho a percorrer-lhe as pernas, um formigueiro como dantes sentia, após andar ao frio quatro quilômetros, de casa até à escola. Ignorante, esmagou o fruto por cima do vestido e os seus dedos ficaram úmidos e viscosos. No dia seguinte provou o fruto. E o desejo aumentou mais ainda. Um desejo diferente dos outros, que lhe secava a garganta e lhe oprimia o peito. Do conjunto de sensações até aí ignoradas, sobressaía o apelo visceral que vence todos os medos. Mal dormiu essa noite, às voltas na cama. Ouvia a chuva, os gemidos do vento, que ela se perguntava se seriam idênticos aos do amor. Tentou ler. Mas as linhas entrecruzavam-se como os fios elétricos vistos do trem. Adormeceu muito tarde, recordando algumas palavras de Mantegazza, que dizia que o pudor é belo, é necessário e humano, mas que devia também ser uma sebe para defender o amor, sem contudo impedir a entrada. Isto é: uma sebe que, picando as mãos, nunca constituísse uma fortaleza impossível de tomar.

Não sendo de uma beleza fora do comum, a professora era, todavia, uma mulher bem fornida e bonita, que já por várias vezes despertara em Dom Inocêncio instintos nada edificantes. Soubera até aí defender-se e, mais importante ainda, ser capaz de se manter sem atacar, suportando uma existência pouco emotiva, alheada que estava dos grandes centros onde tudo sucede sem preparação e sem cálculos. Estivera um dia à beira de um casamento de circunstância, mas tudo ficou por essa beira, e até os beijos que se trocam, temerosos mas violentos, nesses prenúncios de delírio, dera-os e recebera ela à superfície, sem aquela força e profundeza que enrola as línguas frementes na volta para uma etapa final.

Atraíra-o à escola, a pretexto de um pequeno serviço. A sala da aula estava mergulhada numa semipenumbra, com as carteiras desalinhadas e vazias. Junto ao quadro, via-se um velho divã que ela, alguns minutos antes, trouxera da arrecadação. (Vencido esse transe, a ponte estava lançada.) Por menos experiência que se tenha há sempre uma noção exata de posições mais cômodas. E se a verticalidade assenta bem em certos atos, noutros a horizontalidade traz benefícios respeitáveis. A professora conhecia o mar mas jamais havia mergulhado.

Em breve, porém, nadava de bruços, deixando-se afogar nas dores de uma asfixia breve, sem lutas desnecessárias ou o esbracejar dos inaptos, com algumas palavras soltas e queixumes confusos que se perdem na violência de um exercício que sempre se praticou com os mesmos riscos e idênticas vantagens. A princípio nervoso e apressado, o matulão soube, não obstante, comportar-se como um gentleman, não lhe rasgando as roupas e executando tudo tão certinho que a professora, antes de exalar o último suspiro de prazer, pensou que nesse instante era ela a aluna e ele o professor. Resfolegava como uma máquina, mas atuava como um homem que sabe de mecânica, mexendo onde deve ser, friccionando, premindo, aliviando, carregando, oleando, exercendo a atividade do operário que não tem pressas de acabar o serviço.

Por cima do quadro, havia representadas em pequenos cartões as sete cenas alusivas aos pecados mortais. "Soberba não é", pensaria ela, de olhos semicerrados. "Contento-me com um pedaço de felicidade. Sem arrogância. Avareza, também não: estou a gastar tudo o que tenho de mim. Não se trata de luxúria, porque à sensualidade deve opor-se um ato necessário. Tampouco há ira, pois estou calma, cada vez mais calma. Nem inveja. Pelo contrário, neste momento gostaria que todas as mulheres não realizadas pudessem estar assim como eu, numa sala de aula, onde cheira ainda às crianças e pairam ainda as suas gargalhadas. Não há gula, mas sim, e apenas, aquela dose de prazer que deve caber a cada uma. Nem preguiça, já que o meu desejo é de movimento, percorrer distâncias sem sair, porém, do mesmo lugar."

E como não havia nada disso, entregou-se com noventa partes de corpo e dez de alma à fome violenta e retraída do rapaz, que já não era bruto, nem alarve, mas o homem que cumpre uma missão e que ele pela terceira vez cumpria, cada vez com maior consciência profissional.

A chuva batia nos vidros. Caíra a noite. A professora tinha aquelas lágrimas nos olhos que se têm quando se passa no exame. Afagou os cabelos revoltos do rapaz e desceu lentamente a mão trêmula até ao diploma.”
Santos Fernando

Nenhum comentário: