A segunda opinião é a que define a amizade por uma correspondência igual em amor e bons serviços. É fazer da amizade uma ideia bem limitada e mesquinha, sujeitá-la, assim, a um balanço entre a despesa e a receita. Parece-me que a verdadeira amizade é mais rica e mais generosa; não calcula com exactidão com medo de oferecer mais do que recebeu. Não se deve temer na amizade que se vá dar demais ou que se vá perder alguma coisa.
A terceira máxima é a mais perniciosa de todas: quer que se estime ao amigo tanto quanto ele se estima a si mesmo. Mas há bom número de pessoas, cuja alma tímida e desalentada não ousa aspirar a uma melhor sorte. Serão, então, os amigos obrigados a pensar como eles? Não deverão, ao contrário, esforçarem-se por encorajá-los, sugerindo esperanças e doces pensamentos? É necessário, portanto, prescrever outros limites para a amizade.
(...) Eis aqui os limites nos quais creio poder encerrar a amizade. Que os costumes dos amigos sejam sempre puros, que uma inteira comunhão de bens, de pensamentos, de vontade, exista entre eles. E mesmo se, por infelicidade, um deles necessita de auxílio do outro, em alguma empresa de justiça duvidosa, mas de onde dependa a sua vida ou a sua honra, pode-se, neste caso, desviar um pouco o caminho certo, contanto que daí não resulte a desonra. A amizade, com efeito, condescende até um certo ponto.
Marcus Cícero, in 'Diálogo sobre a Amizade'
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