Recordo-me que outrora, quando tinha essa
idade que se diz ser a idade do entusiasmo e da força da imaginação, como me
faltava a experiência para tornar mais fortes essas belas qualidades,
interrompia frequentemente o meu trabalho, que muitas vezes me desagradava.
Apoisção em que a idade nos coloca é uma ironia da natureza. Quando chegamos à
total maturidade, temos uma imaginação mais fesca e viva do que nunca e sobretudo
sossegaram as loucas e impetuosas paixões que a idade arrasta consigo, mas
faltam-nos já as forças e temos os sentidos gastos - estes pedem mais o
descanso do que a agitação. E, no entanto, apesar de todas estas agruras, como
é grande a consolação que nos é comunicada pelo trabalho! Como me sinto feliz
por não ter de ser feliz como tanto o desejava no passado! De que selvática
tirania afinal não me acabou por libertar o enfraquecimento do corpo?!
Então, a pintura era o que menos me preocupava.
Temos de nos adaptar às nossas forças: se a partir de certa altura a natureza
se recusa a trabalhar, não a devemos violentar mas contentarmo-nos com o que
ela nos dá; não nos deixarmos dominar pela sede de elogios, que passam como o
vento, mas aprendermos a saborear o próprio trabalho e as horas deliciosas que
se lhe seguem - profundamente convictos de que esse lazer foi conquistado
graças a uma salutar fadiga, que salvaguarda a saúde da alma. Esta, por seu
turno, influi sobre a saúde do corpo - impedindo que a ferrugem dos anos embote
os mais nobres sentimentos.
Eugène Delacroix, in 'Diário'
Eugène Delacroix, in 'Diário'
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