Desânimo

Que mimos me confortam? 

Que doce luz me acena? 
Eu tenho muita pena 
De ter nascido até! 

Quizera antes ao pé 
D'uma arvore frondosa 
Ter já em cima a lousa 
E descançar emfim! 

Alli, nem tu de mim 
De certo te lembravas, 
Nem estas feras bravas 
Me iriam assaltar! 

Alli, teria um ar 
Mais puro e respiravel, 
E a paz imperturbavel 
De quem, emfim, morreu! 

D'alli, veria o céo 
Ora sereno e puro, 
Ora toldado e escuro... 
Ainda assim melhor, 

Que este areal de amor 
Onde ando ao desamparo, 
Onde a ninguem sou caro 
E nem, a mim, ninguem! 

Alli passára eu bem 
A noite derradeira 
Á sombra hospitaleira 
Que mais ninguem me dá! 

Tu mesma, que não ha 
Quem eu mais queira e ame, 
Quem a minha alma inflamme 
De mais ardente amor, 

Os ais da minha dôr 
A ti o que te importam? 
Teus olhos nem supportam 
A minha vista ao pé! 

Que mimos me confortam? 
Que dôce luz me acena? 
Eu tenho muita pena 
De ter nascido até! 
João de Deus, in 'Ramo de Flores'

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