Ser feliz. De vez em quando, discretamente,
pudicamente, ergue-se em ti ainda esta velha aspiração. Mas já não são horas de
o seres, seriam só de o teres sido. De que é que depende a felicidade? O que
falhou avulta quando enfrentamos a pergunta. Mas só se não tivéssemos falhado
saberíamos se foi isso que falhou. Sei o que falhou mas não sei se o que falhou
foi isso. A felicidade ou infelicidade têm a sua escala de grandeza. Tenho os
meus motivos grandes mas os pequenos absorvem-nos. Problemas do destino, da
verdade, do absoluto que desse a pacificação interior. Mas eles apagam-se ou
esquecem com uma simples dor de dentes. Assim eles me avultam apenas quando
essa dor se apazigua. Que dores menores me pontuaram a vida toda? Do balanço
geral há o que somos para os outros e o que somos para nós. Ser feliz.
Possivelmente o problema está num dente cariado. Sei o que falhou.
Não sei o que falharia ainda, se o mais não
tivesse falhado. Que falsificação de nós inventamos para os outros que no-la inventaram?
Ter grandeza no que se sofre para ao menos nos admirarem o sofrimento. O que
sofri entremeado ao público sofrimento não tem grandeza nenhuma. Precisava bem
de saber se a minha verdade definitiva não está aí. Ou ao menos a condição de
tudo o mais. Para me negar radicalmente na obscuridade de mim. Para saber
definitivamente o que vou entregar à morte. Porque pode ser só aquilo de que a
morte tomará posse, sem restar nada de que tomem posse os outros.
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 4'
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 4'
Um comentário:
Felicidade é um conceito subjetivo, o admirável Mahatma Gandhi afirmou apropriadamente que “Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho”. Creio que a felicidade é mais um “estado de espírito” do que uma condição. Note que no estudo não foram determinadas as razões e circunstâncias que trazem felicidade para as pessoas.
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