Como é difícil entendermo-nos com a vida.
Nós a compor, ela a estragar. Nós a propor, ela a destruir. O ideal seria então
não tentarmos entender-nos com ela mas apenas connosco. Simplesmente o nós com
que nos entendêssemos depende infinitamente do que a vida faz dele. Assim
jamais o poderemos evitar. E todavia, alguns dir-se-ia conseguirem-no. Que
força de si mesmos ou importância de si mesmos eles inventam em si para a
sobreporem ao mais? Jamais o conseguirei. O que há de grande em mim
equilibra-se nas infinitas complacências da vida que me ameaça ou me trai. E é
nesses pequenos intervalos que vou erguendo o que sou. Mas fatigada decerto de
ser complacente, à medida que a paciência se lhe esgota em ser intervalarmente
tolerante, ela vai-me sendo intolerante sem intervalo nenhum. E então não há
coragem que chegue e toda a virtude se me esgota na resignação. É triste para
quem sonhou estar um pouco acima dela. Mas o simples dizê-lo é já ser mais do que
ela. A resignação total é a que vai dar ao silêncio.
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 4'
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 4'
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