O eremita volta as costas a este mundo; não
quer ter nada a ver com ele. Mas podemos fazer mais do que isso; podemos tentar
recriá-lo, tentar construir um outro em vez dele, no qual os componentes mais
insuportáveis são eliminados e substituídos por outros que correspondam aos
nossos desejos.
Quem por desespero ou desafio parte por este carninho, por
norma, não chegará muito longe; a realidade será demasiado forte para ele.
Torna-se louco e normalmente não encontra ninguém que o ajude a levar a cabo o
seu delírio. Diz-se contudo, que todos nós nos comportamos em alguns aspectos
como paranóicos, substituindo pela satisfação de um desejo alguns aspectos do
mundo que nos são insuportáveis transportando o nosso delírio para a realidade.
Quando um grande número de pessoas faz esta tentativa em conjunto e tenta obter
a garantia de felicidade e protecção do sofrimento através de uma transformação
ilusória da realidade, adquire um significado especial. Também as religiões
devem ser classificadas como delírios em massa deste género. Escusado será
dizer que ninguém que participa num delírio o reconhece como tal.
Sigmund Freud, in 'A Civilização e os Seus Descontentamentos'
Sigmund Freud, in 'A Civilização e os Seus Descontentamentos'
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