Creio que se pode traçar uma fronteira
muito precisa entre a juventude e a velhice. A juventude acaba quando termina o
egoísmo, a velhice começa com a vida para os outros. Ou seja: os jovens têm
muito prazer e muita dor com as suas vidas, porque eles a vivem só para eles.
Por isso todos os desejos e quedas são importantes, todas as alegrias e dores são
vividas plenamente, e alguns, quando não vêem os seus desejos cumpridos,
desperdiçam toda uma vida. Isso é a juventude. Mas para a maior parte das
pessoas vem o tempo em que tudo se modifica, em que vivem mais para os outros,
não por virtude, mas porque é assim. A maior parte constitui família. Pensa-se
menos em nós próprios e nos nossos desejos quando se tem filhos. Outros perdem
o egoísmo num escritório, na política, na arte ou na ciência. A juventude quer
brincar, os adultos trabalhar.
Não há quem se case para ter filhos, mas
quando chegam, modificamo-nos, e acabamos por perceber que tudo aconteceu por
eles. Da mesma forma, a juventude gosta de falar na morte, mas nunca pensa
nela; com os velhos acontece o contrário. Os jovens acreditam ser eternos e centram
todos os desejos e pensamentos sobre si próprios. Os velhos já perceberam que o
fim vai chegar e que tudo o que se tem e se faz para si próprio acaba por cair
num buraco e de nada valeu. Para isso necessita de uma outra eternidade e de
acreditar que não trabalhou apenas para os vermes. Por isso existe a mulher e
os filhos, o negócio ou o escritório e a pátria, para que se tenha a noção de
que o esforço diário e as calamidades têm um sentido.
Assim, uma pessoa é mais feliz quando vive para mais alguém, e não para si só. Mas os velhos não devem fazer disso um heroísmo, que não é. Do mais irrequieto jovem resulta o melhor dos velhos, o que não é verdade para aqueles que já na escola agiam como velhos...
Hermann Hesse, in "Gertrud"
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