O mesmo se pode dizer dos dons
da fortuna. O poder, a riqueza, a consideração, a própria saúde e tudo o que
constitui o bem-estar e contentamento com a própria sorte, numa palavra, tudo o
que se denomina felicidade, geram uma confiança que muitas vezes se torna
arrogância, se não existir uma boa vontade que modere a influência que a
felicidade pode exercer sobre a sensibilidade e que corrija o princípio da
nossa actividade, tornando-o útil ao bem geral; acrescentemos que num
espectador imparcial e dotado de razão, testemunha da felicidade ininterrupta
de uma pessoa que não ostente o menor traço de uma vontade pura e boa, nunca
encontrará nesse espectáculo uma satisfação verdadeira, de tal modo a boa
vontade parece ser a condição indispensável sem a qual não somos dignos de ser
felizes.
(...) A boa vontade não é boa pelo que produz e realiza, nem por facilitar o alcance de um fim que nos proponhamos, mas apenas pelo querer mesmo; isto quer dizer que ela é boa em si e que, considerada em si mesma, deve ser tida em preço infinitamente mais elevado que tudo quanto possa realizar-se por seu intermédio em proveito de alguma inclinação, ou mesmo, se se quiser, do conjunto de todas as inclinações.
Emmanuel Kant, in 'Fundamentação da Metafísica dos Costumes'
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