Tu Mandaste-me Dizer

Tu mandaste-me dizer
Que tornavas novamente
Quando viesse a tardinha;
E eu, para mais te prender,
- N'esse dia...

Pintei de negro os meus olhos
E de rôxo a minha boca.
As rosas eram aos mólhos
Para a noite rubra e louca! sapo

Entornei sobre o meu corpo,
- Que fôra delgado e bello!
O perfume mais extranho e mais subtil;
E um brocado rôxo e verde
Envolveu a minha carne
Macerada e varonil.
Os meus hombros florentinos,
Cobértos de pedraria,
Eram chagas luminosas
Alumiando o meu corpo
Todo em fébre e nostalgia.
Nas minhas mãos de cambraia,
As esmeraldas scintillavam;
E as pérolas nos meus braços,
Murmuravam...
Desmanchado, o meu cabello,
Em ondas largas, cahia,
Na minha fronte
Ligeiramente sombría.

Estava pallido e dir-se-hia
Que a pallidez aumentava
A minha grande belleza!

Na minha boca ondulava
Um sorriso de tristeza.

A noite vinha tombando.

E, como tardasses,
Fiquei-me, sentádo, olhando
O meu vulto reflectido
No espelho de crystal;

E afinal,
Nem frescura, nem belleza,
No meu rôsto descobri!

- Ó morte, não me procures!
E tu, meu amôr, não venhas!...
- Eu já morri.
António Botto, in 'Canções'

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