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As Uniões Necessárias

A primeira união necessária é a de dois seres que são incapazes de existir um sem o outro: é o caso do macho e da fêmea tendo em vista a procriação (e essa união nada tem de arbitrária, mas como nas outras espécies animais e nas plantas, trata-se de uma tendência natural a deixar atrás de si um outro ser semelhante); é ainda a união daquele cuja natureza é comandar com aquele cuja natureza é ser comandado, tendo em vista a sua conservação comum.
Aristóteles, in 'A Política'

Aristóteles / Phrásis

Todos os homens aspiram à vida feliz e à felicidade, esta é uma coisa manifesta; mas, se muitos têm a possibilidade de alcançá-la, outros não a têm em virtude de algum azar ou vício de natureza (pois a vida feliz requer um certo acompanhamento de bens externos, em quantidade menor para os indivíduos dotados de melhores disposições e em quantidade maior para aqueles cujas disposições são piores), e outros, finalmente, tendo a possibilidade de ser felizes, imprimem desde o início uma direcção errada na sua busca da felicidade.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

Não se deve escutar as pessoas que nos aconselham, sob o pretexto de que somos homens, de só pensar nas coisas humanas e, sob pretexto de que somos mortais, de renunciar às coisas imortais. Mas, na medida do possível, devemos tornar-nos imortais e tudo fazer para viver conforme à parte mais excelente de nós mesmos, pois o princípio divino, por mais fraco que seja pelas suas dimensões, prevalece, e muito, sobre qualquer outra coisa pelo seu poder e pelo seu valor.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

A Suprema Vantagem do Homem sobre todos os Seres

Foi para o ser capaz de adquirir o maior número de artes que a natureza deu a ferramenta que é, de longe, a mais útil: a mão. E os que pretendem que o homem, longe de ser bem constituído, é o mais mal munido dos animais - dizem, na verdade, que ele nada tem nos pés, que é nu e não possui armas para a luta - estão errados: ou outros, de facto, dispõem de um único recurso que não podem trocar por um outro, e precisam, por assim dizer, de permanecer calçados para dormir ou para fazer tudo, jamais podem tirar a armadura que têm ao redor do corpo e jamais conseguem trocar a arma de que foram dotados pelo destino; o homem, pelo contrário, dispõe de múltiplos meios de defesa e tem sempre a possibilidade de trocá-los, assim como pode possuir a arma que deseja e no momento que deseja. A mão, de facto, torna-se garras, presas ou chifres, e também pega na lança, na espada, ou e qualquer outra arma ou ferramenta, e ela é tudo isso porque pode pegar e segurar tudo.
Aristóteles, in 'Das Partes dos Animais'

Aristóteles / Phrásis

"Não se deve escutar as pessoas que nos aconselham, sob o pretexto de que somos homens, de só pensar nas coisas humanas e, sob pretexto de que somos mortais, de renunciar às coisas imortais. Mas, na medida do possível, devemos tornar-nos imortais e tudo fazer para viver conforme à parte mais excelente de nós mesmos, pois o princípio divino, por mais fraco que seja pelas suas dimensões, prevalece, e muito, sobre qualquer outra coisa pelo seu poder e pelo seu valor."
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

"Quanto mais se desenvolve a nossa faculdade de contemplar, mais se desenvolvem as nossas possibilidades de felicidade, e não por acidente, mas justamente em virtude da natureza da contemplação. Esta é preciosa por ela mesma, de modo que a felicidade, poderíamos dizer, é uma espécie de contemplação."
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

Decisão, Desejo e Acção

"A decisão é, na verdade, o que de mais próprio concerne a excelência e é melhor do que as próprias acções no que respeita à avaliação dos carácteres humanos. A decisão parece, pois, ser voluntária. Decidir e agir voluntariamente não é, contudo, a mesma coisa, pois, a acção voluntária é um fenómeno mais abrangente. É por essa razão que ainda que tanto as crianças como os outros seres vivos possam participar na acção voluntária, não podem, contudo, participar na decisão. Também dizemos que as acções voluntárias dão-se subitamente, mas não assim de acordo com uma decisão.

Os que dizem que a decisão é um desejo, ou uma afecção, ou anseio, ou uma certa opinião, não parecem dizê-lo correctamente, porque os animais irracionais não tomam parte nela. Por outro lado, quem não tem autodomínio age cedendo ao desejo, e, desse modo, não age de acordo com uma decisão. Finalmente, quem tem autodomínio age, ao tomar uma decisão, mas não age, ao sentir um desejo.
Um desejo pode opor-se a uma decisão, mas já não poderá opor-se a um outro desejo. O desejo tem em vista o que é agradável e o que é desagradável. A decisão, contudo, não é feita em vista do desagradável nem do agradável.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

Aristóteles / Frase

"Sem amigos ninguém escolheria viver, mesmo que possuísse todos os demais bens; considera-se que até os homens ricos e aqueles que ocupam altos cargos e posições de autoridade precisam de amigos, ainda mais que todos, pois qual é a utilidade de tal prosperidade sem a oportunidade da beneficiência, exercida principalmente, e do modo mais louvável, em relação aos amigos? (...) Porém a amizade não é apenas útil, ela também é nobre; pois elogiamos aqueles que amam os seus amigos e ter muitos amigos é considerado algo valioso; pensamos que são as mesmas pessoas que são homens bons e são amigos."
Aristóteles, in 'Ética a Eudemo'

"O homem magnânimo deseja ocupar-se de poucas coisas, e estas têm de ser verdadeiramente grandes aos seus próprios olhos, e não porque outros assim pensem. Para o homem dotado de uma alma grande, a opinião solitária de um único homem bom conta mais que a opinião de uma multidão. Foi o que disse Antífon, após a sua condenação, quando Agatão o cumprimentou pelo brilho de sua autodefesa."
Aristóteles, in 'Ética a Eudemo'

Ser Devasso é Pior do que não Ter Domínio de Si

“Uma vez que alguns prazeres são necessários e outros não são, e são necessários apenas até certo ponto, sem admitir excesso nem defeito, e uma vez que o mesmo se passa com os desejos e os sofrimentos necessários, - devasso é quem persegue o excesso no prazer ou prazeres excessivos, e, na verdade, quando os persegue por decisão própria em vista do excesso e não de qualquer outra consequência daí resultante. É forçoso que alguém deste género não tenha nenhuma disposição natural para se arrepender do que faz, de tal sorte que é incurável. Pois, na verdade, quem for capaz de se arrepender pode ser curado. Quem não sente falta nenhuma [destes prazeres] é o oposto do devasso. Mas quem se encontrava na disposição intermédia é temperado. De modo semelhante [devasso] é também quem foge aos sofrimentos do corpo [causados pela insatisfação do desejo], não por lhes sucumbir, mas por uma decisão tomada pelo próprio.

Há também os que não chegam a tomar nenhuma decisão. Estes são obrigados a perseguir o prazer, e a procurar escapar ao sofrimento causado pelo desejo insatisfeito. Há assim diferenças entre esses dois modos de ceder ao prazer ora por uma decisão tomada ou sem decisão prévia. Parece assim a toda a gente ser pior alguém que pratica uma certa acção vergonhosa não sentindo desejo ou sentindo-o levemente do que alguém que pratica uma acção vergonhosa tomado por um desejo violento. Assim também parece pior que alguém bata a outrem sem estar irado do que alguém que o faz num acesso de ira. Pois, o que não seria capaz de fazer quando estivesse sob o domínio do acesso de ira? Por este motivo ser devasso é pior do que não ter domínio de si.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

Amizade Condicionada

A amizade é menos frequente entre pessoas azedas e entre os mais velhos, porque quanto pior for o feitio das pessoas, menor é o prazer que têm no convívio. Ora o bom feitio e o convívio social são marcas de amizade e motivos criadores de amizade. Por este motivo, os jovens depressa se tornam amigos, os velhos, não. É que não se podem tornar amigos daqueles na presença dos quais não sentem prazer; de modo semelhante se passa com os que estão sempre mal dispostos. Estes também podem ser benevolentes entre si porque desejam o bem ao outro e vão ao encontro das necessidades do outro.

Contudo, não são completamente amigos uma vez que não passam juntos o dia nem sentem prazer na companhia um do outro, coisas que parecem ser marcas distintivas de amizade.

Agora, parece que não é possível ser-se amigo de muitas pessoas, pelo menos no sentido pleno da amizade, do mesmo modo que não é possível amar ao mesmo tempo muitas pessoas (tal parece que, na realidade, seria excessivo; e o amor costuma nascer naturalmente em relação a uma única pessoa), porque não é fácil de agradar de modo totalmente satisfatório a muitos ao mesmo tempo.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

Prazer Convicto ou sem Domínio

Quem age em vista do prazer e o persegue, por convicção e decisão, parece ser melhor do que quem não age por cálculo, mas por falta de domínio. Ou seja, o primeiro parece poder ser mais facilmente corrigido, porque pode ser convencido a alterar as suas convicções. Na verdade, o provérbio: «Se a água é capaz de sufocar, porque a bebemos?» parece poder aplicar-se a quem não se domina.

Se alguém age por ter sido convencido a fazer o que faz, deixará de o fazer se for convencido de outro modo. Contudo, estando ele agora convencido de que deve fazer uma coisa, ainda assim fará uma coisa diferente. Ainda, se perda de domínio e o autodomínio podem ser ditos a respeito de tudo na existência, quem é que existe com uma absoluta falta de domínio? Porque ninguém perde o domínio a respeito de tudo. Contudo, dizemos de alguns que têm uma falta de domínio absoluta.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

A Ira

O que se irrita justificadamente nas situações em que se deve irritar ou com as pessoas com as quais se deve irritar, e ainda da maneira como deve ser, quando deve ser e durante o tempo em que deve ser, é geralmente louvado. Quem assim for é gentil, se é que a gentileza é uma disposição louvada. Porque o gentil quer permanecer imperturbável e não quer ser levado pela emoção, e apenas o sentido orientador lhe poderá prescrever as situações em que deve irritar-se e durante quanto tempo. Ou seja, o gentil parece pecar mais por defeito, porque não é do tipo vingativo mas mais do género que perdoa.

O defeito, seja uma certa fleuma seja o que for, é repreendido. Os que não se irritam quando têm motivo parecem parvos, o mesmo quando não se irritam de modo correcto, nem quando devem, nem com aqueles que devem. Parece até que não sentem a injúria ou não sofrem com ela. Mas se não se irritarem não conseguem defender-se, e aguentar um insulto ou tolerar os insultos feitos a terceiros é uma característica de subserviência.

Há excessos a respeito de todos os elementos circunstanciais envolvidos num acesso de ira (seja por se dirigir contra as pessoas indevidas, seja por motivos falsos, seja por ser de mais, ou por surgir rapidamente ou por durar tempo de mais), mas certamente que nem todos os elementos circunstanciais estão feridos de um carácter indevido ao mesmo tempo e na mesma pessoa. Não parece que tal possa acontecer. Na verdade, o mal destrói-se a si próprio, e se for integral, torna-se insuportável.

Os irascíveis depressa se irritam com aqueles que não devem e pelos motivos indevidos, ou então mais do que devem, mas, por outro lado, também, depressa deixam de se comportar assim. E é o melhor que têm na sua disposição de carácter. Quer dizer, ficam neste estado porque não conseguem conter a fúria e por precipitação dão logo, às claras, uma resposta de retaliação. Mas depois sossegam.


Os que são extremamente susceptíveis depressa afinam. Irritam-se por tudo e por nada. E daí também que vem o seu nome. Os que são amargos por natureza dificilmente chegam a reconciliações, ficam zangados durante muito tempo e guardam ressentimento. Só ficam descansados quando tiverem retaliado. A vingança faz cessar a ira, pois faz nascer dentro deles um doce prazer, ao expulsar a amargura do sofrimento. Pois, se não conseguirem vingar-se, vivem como que a carregar um fardo pesado. Na verdade, é porque esta maneira de ser não se manifesta facilmente, que ninguém consegue demovâ-los dos seus intentos vingativos, e é preciso muito tempo para se conseguir digerir a ira dentro de si. É assim pois que pessoas deste género são as mais inoportunas que há tanto para os seus melhores amigos quanto para os próprios.

Dizemos, então, que têm um feitio difícil aqueles que se zangam com as coisas que não devem, ou mais do que devem ou ainda durante mais tempo do que devem; estes não chegam a nenhuma reconciliação, sem terem tido primeiro uma oportunidade de se vingarem ou aplicado um castigo.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'

Da Poesia e da Tragédia

"Parece que a poesia tem inteiramente a sua origem em duas causas, ambas naturais. Porque a imitação é natural ao homem desde a infância, e nisto difere dos outros animais, pois que ele é o mais imitador de todos, aprende as primeiras coisas por meio da imitação, e todos se deleitam com as imitações. É prova disto o que acontece a respeito dos artífices, porque nós contemplamos com prazer as imagens mais exactas daqueles mesmos objectos para que olhamos com repugnância; por exemplo, a representação de animais ferocíssimos e de cadáveres. E a razão disto é porque o aprender é coisa que muito apraz não só aos filósofos, mas também igualmente aos demais homens, posto que estes sejam menos instruídos. Por isso se alegram de ver as imagens, pois que, olhando para elas, podem aprender e discorrer o que uma delas é e dizer, por exemplo: isto é tal; porque, se suceder que alguém não tenha visto o original, não recebe então prazer da imitação, mas ou da beleza da obra, ou das cores, ou de outro algum motivo semelhante.

Sendo, pois, própria da nossa natureza a imitação, também o é a harmonia e o ritmo (porque é claro que os metros são parte do ritmo). Os que ao princípio se sentiram com maior inclinação natural para estas coisas, adiantando-se pouco a pouco, deram origem à poesia com obras feitas de improviso. Ora a poesia tomou diversas formas, segundo o diferente natural de cada um; porque os homens que tinham mais gravidade e elevação imitavam as acções boas e a fortuna dos bons; e os que eram de génio humilde imitavam as acções dos maus, escrevendo ao principio vitupérios, assim como os outros compunham hinos e louvores. [...]

Falemos agora da tragédia, deduzindo a sua verdadeira definição do que temos dito. É, pois, a tragédia a imitação de uma acção grave e inteira de justa grandeza em estilo suave, mas de várias espécies, de que se serve separadamente nos seus lugares, a qual, não por meio da narração, mas sim pela compaixão e terror, consegue o expurgar-nos de semelhantes paixões. Chamo estilo suave ao que tem ritmo, harmonia e melodia. Chamo servir-se separadamente de cada uma das espécies ao executar algumas coisas somente pelo metro e outras pela melodia. [...]

O belo (ou seja animal, ou outra qualquer coisa), sendo composto de algumas partes, não só deve ter estas por boa ordem, mas também deve ter uma certa grandeza não arbitrária; porquanto o belo consiste na grandeza e na ordem e, por isso, nem seria belo um animal muito pequeno, porque a vista, quando se olha para alguma coisa por tempo imperceptível, quase se confunde, nem também muito grande, porque então não se vê ao mesmo tempo aquele todo, e a unidade do ponto de vista escapa aos espectadores, como se houvesse um animal do comprimento de dez mil estádios. Pelo que, assim como tanto nos corpos como nos animais deve haver grandeza e esta deve ser capaz de se compreender bem com a vista, assim também as fábulas devem ter extensão e esta há-de ser fácil de compreender com a memória.
Aristóteles, in ' Poética '

O Mau Também Pode Ser um Bom Amigo

"É possível que os maus sejam entre si prazenteiros, não enquanto maus ou nem bons nem maus, mas enquanto, por exemplo, ambos são músicos, ou um é melómano e o outro cantor; e enquanto todos têm algo de bom e nisto se harmonizam entre si poderão, ademais, ser reciprocamente úteis e prestáveis, não em sentido absoluto, mas em vista da sua escolha, ou enquanto não são nem bons nem maus.

É igualmente possível a um homem de bem ter um amigo medíocre; cada qual pode, de facto, ser útil ao outro em vista da escolha, o medíocre pode apoiar utilmente o projecto do bom, e este último pode secundar com utilidade o projecto do incontinente e do mau em conformidade com a sua natureza; e desejará para o outro as coisas boas: em sentido absoluto as coisas absolutamente boas e, de modo condicional, os bens que são tais para aquele, enquanto o ajudam na pobreza ou nas enfermidades, e estes em vista dos bens absolutos: como, por exemplo, tomar um remédio; não o quer, de facto, por si mesmo, mas em vista deste fim determinado.

Além disso, [o bom pode ser amigo do medíocre] naqueles modos em que também os não bons seriam entre si amigos. Pode um, de facto, ser aprazível não enquanto mau, mas enquanto partilha uma das propriedades comuns, por exemplo, se é músico. Também enquanto em todos há algo de bom; por isso, alguns associam-se, inclusivé, ao homem bom. Ou enquanto se acomodam a cada qual: todos têm, de facto, algo de bom.
Aristóteles, in 'Ética a Eudemo'

A Indagação das Causas e dos Princípios

"Visto que esta ciência (a filosofia) é o objecto das nossas indagações, examinemos de que causas e de que princípios se ocupa a filosofia como ciência; questão que se tomará muito mais clara se examinarmos as diversas ideias que formamos do filósofo. Em primeiro lugar, concebemos o filósofo principalmente como conhecedor do conjunto das coisas, enquanto é possível, sem contudo possuir a ciência de cada uma delas em particular. Em seguida, àquele que pode alcançar o conhecimento de coisas difíceis, aquelas a que só se chega vencendo graves dificuldades, não lhe chamaremos filósofo? De facto, conhecer pelos sentidos é uma faculdade comum a todos, e um conhecimento que se adquire sem esforço em nada tem de filosófico. Finalmente, o que tem as mais rigorosas noções das causas, e que melhor ensina estas noções, é mais filósofo do que todos os outros em todas as ciências. E, entre as ciências, aquela que se procura por si mesma, só pelo anseio do saber, é mais filosófica do que a que se estuda pelos seus resultados; assim como a que domina as mais é mais filosófica do que a que se encontra subordinada a qualquer outra. Não, o filósofo não deve receber leis, mas sim dá-las; nem é necessário que obedeça a outrem, mas deve obedecer-lhe o que seja menos filósofo.

(...) Pois bem: o filósofo que possuir perfeitamente a ciência do geral tem necessariamente a ciência de todas as coisas, porque um homem em tais circunstâncias sabe, de certo modo, tudo quanto está compreendido sob o geral. Todavia, pode dizer-se também que se toma muito difícil ao homem alçar-se aos conhecimentos mais gerais; as coisas que são seus objectos como que estão mais distantes do alcance dos sentidos.

(...) De tudo quanto dissemos sobre a própria ciência resulta a definição da filosofia que procuramos. É imprescindível que seja a ciência teórica dos primeiros princípios e das primeiras causas, porque uma das causas é o bem, a razão final. E que não é uma ciência prática, prova-o o exemplo dos que primeiramente filosofaram. O que, a princípio, levou os homens a fazerem as primeiras indagações filosóficas foi, como é hoje, a admiração. Entre os objectos que admiravam e que não podiam explicar, aplicaram-se primeiro aos que se encontravam ao seu alcance; depois, passo a passo, quiseram explicar os fenómenos mais importantes; por exemplo, as diversas fases da Lua, o trajecto do Sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Ir à procura duma explicação e admirar-se é reconhecer que se ignora. (...) Portanto, se os primeiros filósofos filosofaram para se libertarem da ignorância, é evidente que se consagraram à ciência para saber, e não com vista à utilidade.
Aristóteles, in 'Metafísica'

Felicidade e Virtude

"Como, ao que parece, há muitos fins e podemos buscar alguns em vista de outros: por exemplo, a riqueza, a música, a arte da flauta e, em geral, todos aqueles fins que podem denominar-se instrumentos, é evidente que nenhum desses fins é perfeito e definitivo por si mesmo. Mas o sumo bem deve ser coisa perfeita e definitiva. Por conseguinte, se existe uma só e única coisa que seja definitiva e perfeita, ela é precisamente o bem que procuramos; e se há muitas coisas deste género, a mais definitiva entre elas será o bem. Mas, em nosso entender, o bem que apenas deve buscar-se por si mesmo é mais definitivo que aquele que se procura em vista de outro bem; e o bem que não deve buscar-se nunca com vista noutro bem é mais definitivo que os bens que se buscam ao mesmo tempo por si mesmos e por causa desse bem superior; numa palavra, o perfeito, o definitivo, o completo, é o que é eternamente apetecível em si, e que nunca o é em vista de um objecto distinto dele.

Eis aí precisamente o carácter que parece ter a felicidade; buscamo-la por ela e só por ela, e nunca com mira em outra coisa. Pelo contrário, quando buscamos as honras, o prazer, a ciência, a virtude, sob qualquer forma que seja, desejamos, indubitavelmente, todas essas vantagens por si mesmas; pois que, independentemente de toda outra consequência, desejaríamos cada uma delas; todavia, desejamo-las também com mira na felicidade, porque cremos que todas essas diversas vantagens no-la podem assegurar; enquanto ninguém pode desejar a felicidade, nem com mira nestas vantagens, nem, de maneira geral, com vista em algo, seja o que for, distinto da felicidade mesma.

(...) Todavia, ainda convindo connosco em que a felicidade é, sem contradita, o maior dos bens, o bem supremo, talvez haja quem deseje conhecer melhor a sua natureza.

O meio mais seguro de alcançar esta completa noção é saber qual é a obra própria do homem. (...) Viver é uma função comum ao homem e às plantas, e aqui apenas se busca o que é exclusivamente especial ao homem; é por isso necessário pôr de lado a vida de nutrição e de desenvolvimento. Em seguida vem a vida da sensibilidade, mas esta, por sua vez, mostra-se igualmente comum a todos os seres - o cavalo, o boi, e em geral a todos os animais, tal como ao homem. Resta, portanto, a vida activa do ser dotado de razão. Mas neste ser deve distinguir-se a parte que não possui directamente a razão e se serve dela para pensar. Além disso, como esta mesma faculdade da razão se pode compreender num duplo sentido, devemos não esquecer que se trata aqui, sobretudo, da faculdade em acção, a qual merece mais particularmente o nome que a ambas convém. E assim o próprio do homem será o acto da alma em conformidade com a razão, ou, pelo menos, o acto da alma que não pode realizar-se sem a razão. (...) Mas o bem, a perfeição para cada coisa, varia segundo a virtude especial dessa coisa. Por conseguinte, o bem próprio do homem é a actividade da alma dirigida pela virtude; e, como há muitas virtudes, será a actividade dirigida pela mais alta e a mais perfeita de todas. Acrescente-se também que estas condições devem ser realizadas durante uma vida inteira e completa, porque uma só andorinha não faz a Primavera, nem um só dia formoso; e não pode tão-pouco dizer-se que um só dia de felicidade, nem mesmo uma temporada, bastam para fazer um homem ditoso e afortunado.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'